Caros leitores e leitoras.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Opinião: Lugar de fala profissional

Por Aylê-Salassié F. Quintão*   
  
A  legitimidade do jornalismo, da medicina,  da engenharia, ou do direito e assim por diante, vem do reconhecimento, pela sociedade, do  Lugar de Fala de cada profissão.
A certificação pública para o exercício profissional circunscreve os limites para o exercício das habilidades de cada um dentro de um locus apropriado, a partir do qual o sujeito pode falar com autoridade sobre os temas de sua competência.
A menos que se instaure o caos, o discurso conduzido por ele não está ligado à sua condição de cidadão,  nem a de empregado de uma instituição. No jornalismo, a ética, a responsabilidade social e o compromisso público permeiam a essência da profissão.
É difícil, por isso, conviver com o desleixo de alguns no exercício dos seus limites profissionais. Certos jornalistas e empresas parecem ter um enorme desprezo pelos próprios cânones. Transitam leviana e sistematicamente na contramão  do Lugar de Fala.
Há cerca de dois anos, uma repórter conhecida falava no Yahoo do momento feliz  porque passava como animadora de auditório e garota  propaganda de uma marca de  frangos e de carnes.
Para alguém de boa fé, o fato se constituiria numa moralidade arbitrária e mórbida, segundo o filósofo australiano Peter Singer.
- “A imprensa acha que eu vim para ganhar dinheiro”, dizia a jornalista,. 
O leitor replicou imediatamente: “Ah!.... me engana que eu gosto... duvido que o farias por caridade....
Se é pela propaganda do frango, eu li que recebeste R$ 25 milhões. Me poupe...” 
Outro jornalista orgulhava-se do  fato de ser [...] parte  de um fenômeno na TV brasileira - segundo ele mesmo - o seu “reality show”, que  devassava a intimidade das pessoas e a privacidade familiar. Justificava-se descontraidamente  dizendo que se tratava apenas de “[...}um programa de entretenimento, gente!” Coincidentemente, um dia antes ele estava na rua fazendo reportagens. 
Nesse diapasão, outro colega tentava aproveitar-se da Copa do Mundo de Futebol para  vender aos estrangeiros a imagem de mulheres brasileiras.
A publicidade e a vulgarização da figura do jornalista ameaçam efetivamente o Lugar de Fala da profissão, ao se contratar profissionais pelo critério, por exemplo, da visibilidade: “estrelas” do jornalismo para vender produtos e ideologias. Jornalistas, cuja respeitabilidade foram  gestadas em noticiosos nos jornais, tvs e rádios, e não em novelas ou programas de auditório, aceitam, sistematicamente,  transformarem-se  em garotos e garotas propaganda. É o cúmulo da indignidade para uma profissão que se quer respeitada. No auge da sua credibilidade, Joelmir Betting aceitou fazer publicidade de uma marca de banco, e nunca voltou a ser visto da mesma forma. Conspurcara o Lugar de Fala.
Quem sabe o Franklin Martins não tem razão? 
Há um descompasso entre o que a sociedade espera de um jornalista e de uma empresa jornalística e o que alguns confusamente produzem, amparando-se no Lugar de Fala da categoria. São pessoas que deveriam abdicar da condição de jornalista, desocupar o Lugar de Fala, mudar de categoria, e se filiar a outro sindicato ou conselho profissional. Procurar um palco próprio . Lá é o lugar delas. Não são mais jornalistas e, por ali, também não se faz mais jornalismo.

Se não são jornalistas no discurso e no comportamento, não o são também no salário e nos ganhos empresariais.
As distâncias tornam-se assim grandes. Usando o nome da profissão, alguns recebem remunerações e vantagens astronômicas, enquanto outros, lutando pela ética, se matam em assembléias sindicais, madrugadas à dentro, para mendigar o salário mínimo profissional, cujo valor tem correspondido sistematicamente, à menos da metade da renda média das cidades onde prestam seus serviços.

O fato de alguns não respeitarem os limites profissionais conduz à desconstrução da própria habilitação,  vulgarizando a profissão e, na mesma esteira, as angústias sociais transformam-se em piadas e, como tal, por conivência da imprensa desqualificadas. Alienado, o povo não teria mais porque buscr melhores condições de vida, nem porque reclamar dos governos . Não seria apenas do fim do jornalismo, mas do próprio Lugar de Fala da profissão. Os dramas cotidianos não se alteram em razão  que  um ator verte levianamente nas  novelas. Sem o respeito ao Lugar de Fala perdemos a dignidade profissional , até mesmo enquanto cidadãos. 
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*Jornalista, professor, Doutor em História Cultural. Catalytica Empreendimentos e Inovação Social.

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