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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Jornais amarelam, jornalistas não!


Por TT Catalão, publicado originalmente na revista MeiaUm

A luz queima as folhas daquela edição histórica. O papel do jornalista, hoje, não é só papel. Novos suportes que pedem outras narrativas que utilizam diferentes linguagens. Mas a base é uma só (como cantou Tom a letra de Newton Mendonça): crédito se refaz com simples reposição de grana, já a credibilidade exige cultivo diário e coerência permanente. Para contar a história do jornalismo em e de Brasília ainda não surgiu uma obra com a disposição de mexer nas relações do e com os poderes.
A promiscuidade entre fonte e jornalista sempre resulta no plantio da manchete (que até não deixa de ser verdadeira) tratada, desidratada, embalada, para atingir alvos específicos sem ferir o pacto sombrio entre quem ofereceu o furo e quem o trabalha nos devidos fins. Brasília que eternizou a frase “não existe almoço grátis” e “aqui, no poder, não há relação entre pessoas, mas entre cargos e cacifes”. Isto gerou uma tensão contínua entre quem tenta ser independente e o quanto se perde o emprego pela tentativa. Honrada, sempre.
A “parada de fracassos” dos movimentos autônomos da Capital em busca de uma imprensa, realmente digna da sua missão já tem mais história que reflexão produzida sobre esta trajetória. Não precisa ser uma disciplina na faculdade. Nem virar tese robusta para uma enciclopédia. Bastaria, talvez, um pouquinho de senso provocador para tentar alinhar os períodos da imprensa, dita, brasiliense ou feita no território da Capital para descobrirmos importantes pistas na própria historia do jornalismo nacional. É um local complexo este aqui. Coberturas nacionais e locais tendem a distinguir e dividir profissionais como se um fosso (principalmente salarial) e demitasse a competência com base na projeção externa ou interna.
Há um óbvio trânsito diferente na estratégia, formação e desempenho de quem atua para dentro ou para fora, mas há um só organismo permeando a mobilidade e o tônus desse profissional: a própria cidade. E no fundo essencial sempre haverá um só jornalismo. Fora desse contexto não podemos nem catalogar o “mau jornalismo”, pois se ocorre a perda da essência no sentido de um serviço comprometido com a busca da verdade, nem jornalismo é, vira um negócio ou uma jogatina como outra qualquer.
Creio que a última tentativa, mais organizada, de tocar na tal complexidade foi com a publicação “Jornalismo de Brasília: impressões e vivências”, coordenada pelo Sindicato de Jornalistas Profissionais em 1993. Uma capinha horrível (marrom para provocar a imprensa da mesma cor), mas de uma pulsação, digamos, romântica que é a marca dos anos mais febris da cidade na política e na cultura. Publicados como ensaios, sem nenhum rigor acadêmico, o trabalho revisto hoje dá pistas (oferece um pré-roteiro) da tal complexidade não só de um jornalismo feito a partir de uma Brasília (e suas pautas, geralmente clichês do que se possa entender como “coisa de Brasília”) e um jornalismo feito com a linguagem de quem assumiu a mestiçagem do conviver com as muitas Brasílias. E aí não pode faltar o choque cultural do nosso caldeirão antropófago.
Confesso que fui remetido ao tema, não por nostalgia ou esclerose emotiva, mas pela evidência simples de que não estamos pensando no que fazemos. E assim repetimos, como farsa, o que não deveríamos. Perdemos a autocrítica e alimentamos fantasminhas nada camaradas para criarmos muros e guetos entre gerações como se estivéssemos em trincheiras opostas ou que a existência de um talento fosse ameaça ao nascimento de outro. Tudo isso foi provocado durante a cerimônia de sepultamento do jornalista Fernando Lemos e ver que havia uma trajetória muito original entre os protagonistas desse processo, idêntico ao processo da construção física da cidade (pelo brutal trabalho do candango): enquanto se faz, a gente se constrói. Talvez por isso que a cidadania só se dá a quem se doa.
Fernando, entre todas as contradições naturais e inerentes do humano, provocou alguns momentos com grande chance de servir para marcas distintas do jornalismo brasiliense em diversos períodos. Principalmente por estar profundamente envolvido nos caminhos do Correio Braziliense que não há como excluir de um estudo sobre o tema sem penetrar na própria historia do jornal. Acordei para o livro do Sindicato ao perceber que os temas foram ambiciosos (bem tratados até, pela velocidade pressionadora da reportagem) sem discriminar o nacional do local. Em 1993 tínhamos uma diretoria com Chico Santana, Carlos Magno, Fátima Xavier, Jacira Silva, Alexandre Marinho, Marizete Mundim entre outros. A introdução é daquele que nos devolveu dignidade por ser raiz praticante de tudo que escrevia: nosso Castelinho, Carlos Castelo Branco. A revisão e formatação ficou com o Doyle e os temas esticaram o arco da abrangência generosa pela ética, o oficial propriamente dito, formação acadêmica,sucursais, jornais desaparecidos (memória), charges e humor, fotojornalismo (grande marca do olhar que pensa), radiojornalismo, telejornalismo, os alternativos (era o termo da época para os que desafiavam o mercadão), o jornalismo sindical, o império dos releases na relação com o poder, o pacotão (o germe panfletário de luta e prazer da chamada “catigoria”), a historia e o papel proativo do Sindicato na construção das tais lutas democráticas e o Jornal de Brasília e o Correio Braziliense pelo peso institucional dessas duas empresas na cidade.
Evidente que as novas relações e a própria dinâmica da história e seus reflexos no fazer jornalístico exigiria inúmeros focos para continuar essa narrativa. Senti na pele (com imensa honra), por exemplo, dois saltos estéticos e conceituais do Correio Braziliense que já provocariam um capítulo (daí a reflexão que a morte de Fernando instigou): a fase Oliveira Bastos - Fernando Lemos e a fase Noblat - Chiquinho Amaral. Exatamente pelo viés da “desprezada” Cultura o jornalismo também foi trabalhado como linguagem e estética. E ousadamente, ás vezes, criava fatores entre polêmicas e acontecimentos para interferir na cidade e não apenas “cobri-la”. Considerava-se, até como pejorativo, o ser do Caderno 2 como um jornalista de amenidades e entretenimento eventual, “de segunda”. No entanto foi pela reinvenção cultural que os dois saltos muito colaboraram no conjunto das práticas, óbvio, sem abandonar as técnicas clássicas. 
Nas atuais fronteiras movediças de redação, diagramação ou design gráfico, midia impressa, eletrônica, comunitária, expressão individual de blogs e a convergência de tantos suportes a historia do jornalismo feito em Brasilia terá outra pauta e outros atores. Mas a base é uma só: nem tudo o que está impresso é jornal, pode ser só tinta borrada de omissão; nem tudo que é clean ou criativozinho é design, é preciso intercorrências concretas entre forma e conteúdo; nem tudo que é messiânico e “puro” vai transformar a sociedade se os discursos não estiverem emprenhados de atitudes comprometidas na vida. Daí que poderíamos retomar a publicação de 1993 (sem louvação imobilizadora do passado) e rever o quadro, agora. Porque um texto medíocre sempre será terrível em papel paupérrimo ou em CD-Rom; uma imagem vazia sempre não dirá nada, apenas enchendo de narcose o hiperespaço de ruído e cor, mesmo em alta definição e assim vai...não existe mau jornalismo. Se não for bom, nem jornalismo é. Boa viagem, Fernando.

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