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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Opinião: TV paga x TV aberta: Quem (de fato) ganha com a Lei 12.485?

Por Venício Lima, publicado originalmente na Carta Maior

O critério fundamental para avaliação de qualquer legislação aplicável ao setor de comunicações deve ser sempre se ela possibilita o aumento da participação de mais e diferentes vozes no debate público. Outro bom critério é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores envolvidos.

“Mudanças na regulação das comunicações são necessárias, mas precisam ser realistas, sem contaminações ideológicas dirigistas. Um bom exemplo é o PL 116, que regula o mercado de TV por assinatura. Após longa negociação entre todos os interessados, o projeto foi aprovado em instância final no Senado.”

Editorial, O Globo, 22 de setembro de 2011

No dia 12 de outubro, completou-se um mês que a Presidenta Dilma Roussef sancionou o PLC 116 (antigo PL 29) e o transformou na Lei n. 12.485 que “dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado”. Trata-se de uma lei complexa que, depois de longa tramitação no Congresso Nacional, iniciada ainda em 2007, havia sido aprovada no Senado Federal no dia 16 de agosto.

Muito já foi dito e escrito sobre o tema. Especialistas comprometidos com a democratização das comunicações têm elogiado a Lei e até mesmo afirmado que aqueles que não a celebram “ainda não entenderam as mudanças que ocorrem no mundo e vivem no passado”. Todavia, dúvidas importantes persistem, o debate continua necessário e algumas questões não podem ser ignoradas, inclusive a relação da Lei com o inadiável marco regulatório para as comunicações.

Para se compreender a Lei e algumas de suas questões polêmicas

1. Um dos objetivos da Lei 12.485 é unificar a legislação sobre a TV paga, independente da tecnologia utilizada. Até aqui existiam legislação e/ou regulamentos diferentes - e até mesmo conflitantes - para as diferentes modalidades, isto é, cabo ótico; satélite (Direct-to-Home ou DTH) e micro-ondas (Multipoint Microwave Distribution Services ou MMDS).

2. A nova Lei, libera completamente a participação do capital estrangeiro antes permitido para as operadoras por DTH e MMDS e apenas limitado no cabo (a 49%). A justificativa é estimular a competição e, segundo defensores da Lei, oferecer “novas opções de conteúdo audiovisual de qualidade e melhores serviços, por menores preços”.

Esse é o primeiro ponto polêmico. Brechas na regulação anterior já possibilitavam a presença do capital estrangeiro em proporções maiores do que a nominalmente permitida na TV a cabo. Além disso, como se trata de um setor estratégico, não deveria haver algum tipo de proteção ao capital nacional? Haverá incentivo real à competição permitindo-se a entrada no mercado das teles que são oligopólios globais? Pode-se falar em competição quando ela ocorre entre uns poucos oligopólios? Os preços dos serviços atualmente oferecidos por estes oligopólios (telefonia fixa e móvel) não estão entre os mais elevados do planeta?

3. Defensores da Lei destacam a distinção que ela estabelece entre os diferentes elos da “cadeia produtiva” da TV paga, vale dizer: produção, programação, empacotamento e distribuição. É a primeira vez que isso acontece no Brasil e, diz-se, o futuro aponta para a necessidade de se separar a regulação da distribuição daquela da produção de conteúdos audiovisuais. Alega-se, por exemplo, que na América do Norte, em alguns países da Europa e na nossa vizinha Argentina, a TV paga já supera a TV aberta. Esse é outro ponto polêmico.

Os últimos dados disponibilizados pela ANATEL indicam que, em agosto de 2011, a TV paga chegava a 11,6 milhões de domicílios, ou seja, a 38,3 milhões de brasileiros ou cerca de 20% do total da população. A densidade (assinantes por 100 domicílios) média dos serviços de TV Paga é de 19,4, mas treze estados estão abaixo dela e há unidades da federação, como o Piauí, onde a densidade é de apenas 4,3. Ademais, em cada 100 TVs pagas ligadas nos oito principais mercados brasileiros, mais de 60 sintonizam os canais de TV aberta na maior parte do tempo [agosto de 2011].

Não nos esqueçamos, todavia, que o mercado de TV paga não é nada desprezível. Em 2010, seu faturamento bruto atingiu R$ 1,011 bilhão. Isso representou cerca de 4% do total da verba destinada à publicidade no país (Projeto Inter-Meios).

Supondo que a TV paga, de fato, seja o destino pré-determinado para a maioria da população brasileira, consideradas as imensas diferenças de renda ainda existentes no país, em quanto tempo teríamos aqui uma situação semelhante, por exemplo, à Argentina (cerca de 50% da população)? Não conheço (e não encontrei) as projeções da indústria, mas suponho que ainda vá demorar, se é que vai acontecer.

Se este raciocínio estiver correto, não faz sentido celebrar uma Lei por efeitos que ela ainda não pode ter no que se refere à TV “consumida” por mais de 80% da população (sem incluir aqueles muitos que a assistem na TV paga). De fato, a Lei 12.485 não se aplica à TV aberta (salvo, por óbvio, nas referencias, diretas e/ou indiretas, que a ela se faz no texto legal).

Pela Lei 12.485, as empresas radiodifusoras, produtoras e programadoras não podem atuar diretamente na distribuição de conteúdos da TV Paga, mas podem controlar até 50% do capital das prestadoras de serviços de telecomunicações. Já essas últimas, não podem prestar serviços de radiodifusão de sons e imagens, produção e programação, e sua participação em empresas com essas finalidades está limitada a 30%.

Alguns estão fazendo uma leitura dessa norma como se ela fosse um bem-vindo primeiro controle da “propriedade cruzada” na mídia brasileira. Na prática, todavia, ela significa, por exemplo, que a TV Globo (aberta) continuará produzindo e distribuindo conteúdo e também continuará sócia [em até 50%] da SKY (americana) e da NET (mexicana). Já a Telefónica de Espanha, por exemplo, não poderá produzir conteúdo e se quiser ser sócia de uma empresa de radiodifusão estará limitada a 30%.

Quem se beneficia com essa regra até o hipotético dia em que a TV Paga ultrapassar a TV aberta no país? Na verdade, a regra funciona como reserva de mercado da produção e distribuição de conteúdo na TV aberta para as atuais empresas de radiodifusão.

E mais. A lógica do capital levará, mais cedo ou mais tarde, às empresas de telefonia a pressionar pela sua entrada também na produção de conteúdo. Ou farão isso “de fora prá dentro”, isto é, produzirão em estúdios em outros países e distribuirão aqui (o que a Lei não impede). Neste caso, voltaríamos à questão do item 1, acima: não seria o caso de se proteger a “indústria” audiovisual brasileira?

4. A vigência dos artigos 16º ao 18º do Capítulo V que trata de proteção “Do Conteúdo Brasileiro” está limitada (1) pelo artigo 21º que contempla o relaxamento das normas, a critério da ANATEL, diante de “comprovada impossibilidade de cumprimento”; e (2) pelo artigo 41º que prevê o término da vigência doze anos a partir da promulgação da Lei. Vale dizer, a partir de setembro de 2023, não mais valerão as exigências, por exemplo, de: três horas e meia de programação nacional por semana no horário nobre; em cada três canais dos “pacotes” comercializados, um terá que ser brasileiro; ou metade do conteúdo nacional terá de ser de produção audiovisual independente.

5. A Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM) solicitou à Presidenta Dilma o veto dos parágrafos 1º, 5º, 7º e 8º do artigo 32 da Lei. Por quê? Eles vedam “a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de seus intervalos, assim como a transmissão de publicidade comercial” e prevêem que “em caso de inviabilidade técnica ou econômica”, a critério da ANATEL, as operadoras fiquem desobrigadas de transmitir os chamados “canais públicos de utilização gratuita”, isto é, comunitários, legislativos, universitários, educativos, culturais, dentre outros.

A Presidenta Dilma não atendeu à solicitação da ABCCOM.

6. Para alguns “liberais” que repudiam qualquer tipo de interferência do Estado, as “disposições retrógradas” da lei – válidas apenas para os próximos 12 anos! – são: (1) o estabelecimento de cotas para produtores nacionais (inexpressivas 3h30 por semana quando se considera que no 1º substitutivo do projeto original previa-se exatamente o dobro deste tempo e/ou quando se compara aos 50% exigidos em países da Europa); e (2) o papel atribuído à ANCINE que expedirá os certificados de produção nacional ou independente para o que de fato merecer essa classificação.

Lições possíveis
Vale registrar que não só o senso comum, mas também teorias vigentes na Ciência Política, nos ensinam que uma das melhores maneiras de se identificar os interesses em jogo em determinada decisão é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores envolvidos.

A epígrafe deste artigo aparece em editorial do jornal O Globoque começa elogiando as privatizações do governo FHC; desqualifica os “governos populistas” da Venezuela, da Bolívia, do Equador e da Argentina pelas “experiências desastrosas” no campo das comunicações; condena as propostas da 1ª. CONFECOM; e, por fim, elogia a aprovação do PLC 116, considerado “realista” e livre de “contaminações ideológicas dirigistas”.

Não estaria aí uma boa indicação de alguns interesses que estão sendo atendidos e de quem (de fato) ganha com a Lei 12.485?

Por fim, não podemos nos esquecer (1) que o critério fundamental para avaliação de qualquer legislação aplicável ao setor de comunicações deve ser sempre se ela possibilita o aumento da participação de mais e diferentes vozes no debate público; e (2) que a Lei 12.482 regula um setor importante, mas relativamente pequeno, do enorme campo que deverá ser abrangido por um marco regulatório voltado para a positivação do direito à comunicação no Brasil.

A ver.

Venício A. de Lima é professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado)

As opiniões aqui postadas são de responsabilidade de seus autores

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