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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Radiodifusão: 50 anos da Rede da Legalidade

Do portal Rádio Legalidade

“A Cadeia Radiofônica da Legalidade, formada à raiz da crise de A 1961, constituiu-se na primeira manifestação politica dos radialistas gaúchos, realizada de forma coletiva, e serviu como fator impulsionador da construção do Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul”, afirma Lauro Hagemann, noticiarista do Repórter Esso, e que se transformou na voz do movimento, depois dos discursos de Leonel Brizola.

Hagemann, artigo publicado no livro Lealidade 20 anos, está convicto de que a Cadeia da Legalidade teve como conseqüências, entre outras, o início do processo de criação do Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul. É que naquele tempo, como recorda, a categoria vivia dispersa, atuando profissional e politicamente no âmbito dos vários prefixos existentes em Porto Alegre, sem falar no interior do Estado, onde o número de estações já era bem avultado. As esparsas manifestações políticas de alguns integrantes da categoria eram feitas em nível individual, muito embora a história registre a presença de radialistas nos Parlamentos municipais e estadual desde longa data. “A bem da verdade”, diz o radialista, “a partir do processo de redemocratização do País em 1945 que os diversos partidos vislumbram a possibilidade de arrecadar votos contando com a participação de radialistas em suas nominatas, aliás como ocorre atualmente, só que agora acontece de forma mais intensa, devido, até mesmo, a situaçöes políticas geradas pelo golpe de 64 e pelo desenvolvimento dos meios de comunicação de massa”.

“Voltemos a 1961, mês de agosto, dia 25 e subseqüentes. Os episódios ainda são lembrados, especialmente por aqueles que deles foram participantes. Deflagrada a tentativa de golpe com a renúncia de Jânio Quadros, então Presidente da República, e a ameaça de não se respeitar o preceito constitucional de substituir o Presidente renunciante pelo seu Vice, monta-se no Rio Grande do Sul a resistência àquela manobra. O então governador Leonel Brizola manda instalar no Palácio Piratini um equipamento radiofônico e requisita, ao mesmo tempo, uma das nossas emissoras, mais precisamente a Rádio Guaíba, para servir de ponto de partida ao movimento que empolgaria o Estado e mesmo o Pais, em defesa da legalidade. O papel que essa providência desencadeou na evolução dos acontecimentos ainda não foi suficientemente analisado, assim como muitos outros aspectos da questão. Entretanto, nossa preocupação é enfocar a importância do rádio e, conseqüentemente, dos radialistas naqueles acontecimentos de suma importância para a vida nacional.

“O governador Brizola não foi inédito na utilização do rádio como fator de mobilização de massas. É preciso, porém, ressaltar-se a rápida percepção do que poderia e deveria ser feito naquele momento e o emprego dos meios mais eficientes para brecar a tentativa golpista. A escoIha do rádio foi, então, a opção mais acertada para comandar a resistência que se formava contra a tentativa golpista. Num País com alto índice de analfabetos e com a precaridade dos meios de comunicação impressa. o rádio era – e ainda o é – o meio mais eficaz de comunicação massiva e, por isso, continua tendo um papel muito importante no processo de conscientização e de libertação do povo brasileiro. Não é por outra razão que o sistema autoritário pós 64 dedicou tantos cuidados ao rádio no Brasil. E é, também, pela mesma razão, que a próxima Constituição deve se preocupar com o assunto, fixando regras bem definidas para a utilização democrática desse poderoso instrumento.

Quando o Governo do Estado requisita a Rádio Guaíba para servir de emissora-mãe e a ela se agregam, também requisitadas, as demais emissoras da capital e, numa seqüência já espontânea, a maioria das estações do Estado e do País, os serviços de transmissão, isto é, a operação do equipamento, a escolha das músicas, a redação dos comunicados e boletins e a leitura desse material, eram feitos por pessoas que, na sua maioria, pertenciam aos quadros do próprio Palácio, isto é, por sua Assessoria de Imprensa, como ainda era chamada naquela época. Esta situação, é claro, configurava, para a audiência, a partidarização do movimento, o que, dadas as peculiaridades do nosso Estado, poderia não ser bem recebido pela população. A programação das emissoras fora alterada completamente e os profissionais viram-se sem função imediata. Compareciam as suas sedes apenas para cumprir um ritual, porque a

transmissão estava encadeada e era gerada no Palácio, mais precisamente no “Porão da Legalidade”, como ficou conhecido o local pelos que lá trabalhavam. Enquanto isto, a vida na cidade fluía tensa e angustiada. A boataria não conseguia ser suplantada pela emissão dos “boletins oficiais” que, justamente por sua origem palaciana, eram recebidos com reservas, contribuindo para gerar um clima de terrificante expectativa na população. Este era o pano-de-fundo sobre o qual tomei uma decisão naquele agosto de 61.

Não gosto de falar na primeira pessoa do singular, mas como me foi solicitado um depoimento pessoal sobre o episódio, não posso fazer o relato sem me incluir nos fatos sucedidos. Eu era o locutor titular do “Repórter Esso” da Rádio Farroupilha — um dos monstros sagrados da radiofonia do sul do País — ouvido e conhecido por vastas extensões do território nacional e até dos nossos vizinhos de fronteira. Meu contrato de exclusividade com a emissora e o patrocinador poderia até me eximir legalmente de tomar a atitude que tomei: me ‘apresentar voluntário para trabalhar na “Cadeia da Legalidade”. Não foi um gesto emocional. Tive plena consciência do passo dado. Compreendi logo a natureza do movimento, tanto de um lado como de outro, e me posicionei. Não havia muito tempo que eu deixara a direção de entidades estudantis e desde então me orientava para uma participação popular, democrática e sobretudo desvinculada do imperialismo, do qual eu sabia ser uma face visível (indireta). Mas eu vendia meu trabalho, não vendia a minha cabeça. E eu ainda não havia ingressado no PCB… Quando aquela voz conhecida apareceu nas emissões, tenho certeza de que algo mudou na cabeça das pessoas. Em seguida. outros companheiros radialistas, também muito conhecidos, foram se somar à “Cadeia da Legalidade”. Alguns sabidamente não alinhados ao estilo e pensamento do então Governador e outros indiferentes, mas todos desinibidos e desejosos de colaborar naquele momento que compreendiam de transcendental importância para a vida do País. Foi no meu entendimento — a primeira manifestação coletiva da categoria a nível político. Daí, me atrevo a dizer, começou a germinar a idéia da necessidade de termos um instrumento de classe para a congregação de nossos interesses e essa idéia partia. naturalmente, de um sindicato.

Foram longos os dias que passamos enfurnados no porão do Palácio. Um estúdio improvisado, apenas com duas portas, sem ventilação direta. Foi nosso local de trabalho durante o tempo em que Jango levou para chegar a Brasília e tomar posse no dia 7 de setembro daquele ano. Praticamente, a partir da nossa decisão de integrar a “Cadeia da Legalidade”, não vimos mais nada do que acontecia na superfície, com raras fugidas para ver a família. A transmissão durava as 24 horas e chegou

quase no final a ter uma programação normal de qualquer emissora, com horários determinados para o noticiário e a música. O público passou a ter a sensação de ordem e tranqüilidade que o momento exigia, e para isso foi decisivo o papel do rádio.

Menos de um ano se passara e os radialistas gaúchos já tinham sua carta sindical (14 de julho de l962), num movimento que contou com a unanimidade da categoria. Em janeiro de 1963, o jovem Sindicato patrocinou, aqui em Porto Alegre, o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores em Radiodifusão. No último dia do encontro, o governador Brizola, que encerraria seu mandato dali aiguns dias, chamou os participantes do Congresso ao Palácio e lá, no “Porão da Legalidade”, num ato solene, foi inaugurada uma placa de bronze (onde estará?) em que manifestava seu reconhecimento pela colaboraçäo recebida.

Em fins demarço de 1964, a Constituição brasileira começa a sentir novas arremetidas golpistas e, mais uma vez, se quis apelar para o rádio como remédio salvador. Entretanto, os inimigos do povo haviam aprendido o suficiente no ensaio geral de 1961 e, habilmente, conseguiram seu intento. Com a queda de Jango, a reação se instalou no Pais e deu no que estamos assistindo… Antes disso, porém, o Sindicato dos Radialistas sofreu duas intervenções e eu, cassado, fui destituído de sua Presidência.

A história é o grande reitor das ações humanas. Esperamos que ela nos tenha ensinado algo de útil neste episódio.

Veja ainda:

Vídeo-entrevista de Lauro Hagemann à RBS

LAURO HAGEMANN, em 6 1 era locutor da Rádio Farroupilha. Atuou em várias emissoras da cidade. Foi também vereador.

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