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sábado, 20 de agosto de 2011

Artigo: Como o monopólio das teles vai estimular a concorrência e a cultura nacional na TV paga

Por Carlos Lopes, do Midiacruci's Blog

Que vantagem há em substituir o monopólio da Globo por um monopólio estrangeiro, isto é, um monopólio sobre o qual o país e o povo têm ainda menos possibilidade de controle?


A ideia mais absurda sobre o PLC 116, antigo PL 29, aprovado na terça-feira pelo Senado, é a de que ele incentivaria a “concorrência” na TV por assinatura, e, por consequência, nos meios de comunicação, sabidamente monopolizados. Naturalmente, a solução para impedir ou colocar limites a um monopólio não pode ser outro monopólio. Sobretudo quando se trata de um monopólio muito pior – mais poderoso financeiramente, mais sem escrúpulos, mais bandidesco – que o anterior. O projeto aprovado, de autoria do deputado Paulo Bornhausen (Dem-SC), com a demão ilusionista dos deputados Jorge Bittar (PT-RJ) e Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), permite às teles estender seu monopólio ao setor de TV por assinatura. Monopólios, como se sabe, não existem para contribuir com a concorrência, mas para quebrá-la. Que vantagem há em substituir o monopólio da Globo por um monopólio estrangeiro, isto é, um monopólio sobre o qual o país e o povo têm ainda menos possibilidade de controle? Há quem considere que essa questão (a possibilidade de controle nacional, pois no momento não há controle algum) é meramente teórica. Porém, será teórico o monopólio das telecomunicações por parte da Telefónica, Telmex/AT&T, etc., sem contar o elefante branco em que se tornou a Oi? Todos nós conhecemos, por experiência prática, o desastre a que levou a privatização das telecomunicações, sendo inútil tentar convencer quem prefere acreditar na propaganda tucana sobre as suas maravilhas. Mesmo assim, lembremos apenas um aspecto, que, devido à chamada “convergência digital”, está diretamente ligado à questão da TV por assinatura: a incrível concentração e preços da banda larga no Brasil, que fizeram o presidente Lula empreender o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com a reativação da Telebrás - ambos, hoje, em liquidação pelo atual titular do Ministério da Comunicações, Paulo Bernardo. Naturalmente, esperar melhora do domínio das teles sobre a TV por assinatura, depois do que fizeram com a banda larga, seria coisa de lunático. Aliás, por que estender o monopólio das teles à TV por assinatura, se todos os cidadãos honestos concordam que ele precisa ser limitado na telefonia?

PROMESSA

Naturalmente, muitos dos que esposam a ideia de que a entrada das teles na TV por assinatura (sem limite de participação no capital das operadoras) aumentará a concorrência, são pessoas indignadas com o monopólio da Globo – no entanto, o projeto foi aprovado apenas depois que a Globo o apoiou
, em troca da promessa de que não seriam alterados ou vetados:
1) o artigo 5º (que impede as teles de ter mais de 30% das empresas de radiodifusão, isto é, das TVs abertas e rádios – pelo menos legalmente, isso permitiria à Globo continuar com seu monopólio na TV aberta); 2) o artigo 6º (que impede as operadoras de “com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual para sua veiculação (…): I – adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional; e II – contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza, inclusive direitos sobre obras de autores nacionais”). Notemos, apenas de passagem, como é frágil a última garantia. Apesar da propaganda de que o projeto proibiria as teles de “produzir conteúdo”, nada impede que tragam para cá o que elas (ou outras empresas do mesmo grupo) produziram em outros países – ou, mesmo, contratem “talentos artísticos nacionais” fora do Brasil, para produções feitas no exterior. Certamente, a lei brasileira somente é válida nos limites do território nacional. Qual o controle que se terá sobre programas produzidos no exterior e veiculados aqui?
Existem outras formas de burlar essas interdições. A Globo sabe disso – e não apenas porque algumas dessas formas foram usadas na ilegal apropriação da Net pela Telmex/AT&T, que transformou a Globo em laranja na operação da TV a cabo; mas também porque sua produção de cinema é feita por “produtoras independentes”. Portanto, o apoio da Globo ao PLC 116 apenas mostra como é decadente o seu monopólio, capaz de aceitar, ainda que de má vontade, alguns caroços de lentilhas, apesar de saber, como disse um seu representante, que as “empresas estrangeiras faturam de 10 a 12 vezes mais que a radiodifusão” (isto é, do que a soma de todas as TVs abertas e rádios do país).
Além disso, o PLC 116 espreme muito mais as outras concessionárias do que a Globo. Por isso, o sr. João Carlos Saad, presidente do grupo Bandeirantes, denunciou que o projeto, agora aprovado, montava “um monopólio de distribuição. Não existem salvaguardas para concentração, permitindo que tudo fique na mão de uma pessoa só. O que nós precisamos é de competição e não é isso que temos no PLC 116”.
Saad apontou que o artigo 17º do projeto é, na verdade, uma restrição aos canais brasileiros, ao limitar em 12 os “canais brasileiros de espaço qualificado” que são obrigatórios nos pacotes da TV por assinatura. [A propósito, o texto aprovado não define positivamente o que é “espaço qualificado”, sobre o qual incidem as badaladas cotas de “conteúdo brasileiro”; a definição é somente negativa, por exclusão, a rigor, uma sobra: espaço qualificado é o “espaço total do canal de programação, excluindo-se conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e programas de auditório ancorados por apresentador” (artigo 2º, inciso XII, grifo nosso)].
As operadoras de TV por assinatura são classificadas, pelo texto aprovado, como “empresas prestadoras de serviços de telecomunicações” e seu artigo 5º proíbe as “concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e (…) produtoras e programadoras com sede no Brasil” (grifo nosso) de deter mais que 50% de seu capital. Assim, o grupo Bandeirantes teria que se desfazer ou fechar a TV Cidade, rede a cabo que atua em oito Estados. A limitação de 50%, como se pode ver pelo trecho grifado, não é extensiva a “produtoras e programadoras” que não tenham sede no Brasil. O artigo 24º é um privilégio. Por ele, “o tempo máximo destinado à publicidade comercial em cada canal de programação deverá ser igual ao limite estabelecido para o serviço de radiodifusão de sons e imagens”. Ou seja, na TV por assinatura a publicidade deve ter o mesmo espaço (isto é, tempo) que na TV aberta. Mas a TV por assinatura é paga – há países em que é proibida a publicidade, pois ela já é sustentada pelos assinantes, e, no Brasil, não é barata. No entanto, o PLC 116 não somente permite a publicidade, como, também, iguala seu tempo ao da TV aberta, que, como não tem assinantes, depende muito mais da publicidade para se manter. O que significa não somente estabelecer duas fontes de lucro – onde, na TV aberta, só existe uma – como permitir que as operadoras de TV por assinatura desviem para si a publicidade que poderia ir para a TV aberta. Um desvio que afeta menos a Globo do que as outras. Mas, voltemos à brilhante atuação do monopólio das teles no Brasil.

BANDA LARGA

As teles são o principal obstáculo à universalização da banda larga – que será decisiva para o acesso à televisão, em prazo razoavelmente curto. Isso não é uma idiossincrasia delas, mas a consequência de atuarem em regime monopolista, extraindo superlucros com sobrepreços, isto é, com a concentração de renda numa faixa estreita da população. Segundo a última pesquisa da agência F/Nazca, a mais citada no país quanto aos dados sobre a Internet, em três anos a percentagem dos maiores de 16 anos que acessam - de algum modo, pelo menos uma vez em seis meses – a Internet, não variou. Continua a mesma de 2008, e não chega a metade dos cidadãos nessa faixa etária (cf. “F/Radar, 8ª ed., nov./2010”). Apenas 29% das residências, segundo essa pesquisa, têm acesso à Internet via banda larga. Note-se que a pesquisa da F/Nazca registra mais usuários que a sua similar, da agência norte-americana Nielsen e do Ibope (entre uma e outra há uma diferença de nada menos do que 7 milhões e 400 mil usuários que não aparecem na última). Geralmente, usam-se os inseguros números dessas pesquisas para afirmar que somos “o quinto país do mundo” em usuários da Internet. Não temos certeza disso, mas a “taxa de penetração” da Internet no país é bastante baixa: apenas 34,4% da população. A da Argentina, por exemplo, é 64% (cf. Internet World Stats, “List of countries classified by internet penetration rates”, 2010, dados da UIT/ONU). Significativamente, 73% dos acessos à Internet no Brasil são realizados fora das residências, predominando as lan houses (31%), segundo a compilação “Estatísticas, dados e projeções atuais sobre a Internet no Brasil” (ed. 01/07/2011), que constata: “entre os 10% mais pobres, apenas 0,6% tem acesso à Internet; entre os 10% mais ricos esse número é de 56,3%. Somente 13,3% dos negros usam a Internet, mais de duas vezes menos que os de raça branca (28,3%). Os índices de acesso à Internet das Regiões Sul (25,6%) e Sudeste (26,6%) contrastam com os das Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%)”. Como diz José Augusto Porto, diretor da F/Nazca, ao apresentar a última edição da pesquisa F/Radar: “É provável que um gargalo estrutural esteja impedindo a chegada de marinheiros de primeira viagem ao mundo digital. O barateamento espontâneo dos pacotes de internet rápida – ainda caríssima no Brasil - parece não ter dado conta de fazer crescer o bolo. Os números da nossa pesquisa reafirmam a urgência pela implementação do Plano Nacional da Banda Larga”. Realmente, se esperarmos o “barateamento espontâneo” das teles, não vamos sair dessa situação. A tendência é piorar.

IMPUNIDADE

Então, se o quadro da banda larga é este – e na telefonia fixa, principal fonte de ganhos das teles, a situação é de escorcha – por que esperaríamos que a situação da TV por assinatura melhorasse com o seu açambarcamento pelas teles? Apenas mentes privilegiadas como o senador Walter Pinheiro são capazes de prever o barateamento da TV paga sob o monopólio das teles. Porém, tão inútil é tal esperança quanto o fato de que as teles já açambarcaram o setor, sem que houvesse melhora alguma. Este é o lado mais bandidesco do PLC 116, ex-PL 29. Ele é a legalização de um crime, em que seus perpetradores saíram, até agora, impunes. A Telefónica e a Telmex/AT&T, contra a lei, que proíbe empresas estrangeiras – e, ainda mais, as teles – de ter mais que 49% do capital votante das operadoras de TV por assinatura, já são proprietárias, respectivamente, da TVA e da Net. Em 2004, a Globo vendeu o controle da Net à Telmex/AT&T. Dois anos depois, em outubro de 2006, a TVA foi açambarcada pela Telefónica. (v., entre outros, HP, 10/08/2007 e HP, 20/06/2008). Portanto, há sete anos a Net pertence à Telmex/AT&T, que, no Brasil, também controla a Embratel, e há cinco anos a Telefónica se apossou da TVA. O senador Walter Pinheiro não precisa esperar pela sanção do PL 116 para comprovar que os preços não ficaram mais baratos com o assalto das teles sobre a TV por assinatura. O que o PLC 116 fez foi, mais ou menos, como se, em Tombstone, ao invés de enfrentar o bando dos Clanton, o xerife Wyatt Earp resolvesse legalizar o roubo de gado.

COTAS

Vejamos as cotas de “conteúdo brasileiro”, o supremo enrola-trouxas do PLC 116. O projeto Bornhausen, apresentado após a apropriação da Net pela Telmex/AT&T e da TVA pela Telefónica, pretendia legalizar esta ilegalidade sem rebuços, pois o deputado não é dado a sutilezas. Com isso, o projeto estava morto. Foi então que o deputado Bittar deu nova fantasia a ele, acrescentando as cotas de “conteúdo brasileiro”. A propósito, o texto não se refere a “conteúdo nacional”. Por quê? Porque “conteúdo brasileiro” (artigo 2º, inciso VIII do PLC 116) é uma inovação da Medida Provisória nº 2.228-1, do governo Fernando Henrique, que inclui o produto de “regime de coprodução, por empresa produtora brasileira registrada na ANCINE, em associação com empresas de outros países (…), assegurada a titularidade de, no mínimo, 40% dos direitos patrimoniais da obra à empresa produtora brasileira” (MP 2.228-1, art. 1º, inciso V, item c). Portanto, o “conteúdo brasileiro” do PLC 116 inclui produções em que empresas estrangeiras tenham 60% dos direitos patrimoniais... Em sua primeira versão, Bittar propunha sete horas de “conteúdo brasileiro” por semana no “espaço qualificado” da TV por assinatura. Posteriormente, ele mesmo, após a pressão das operadoras, reduziu esse tempo para 3 h e 30 min, ou seja, 30 minutos por dia – com 15 minutos, desses 30, para a “produção independente”. Se o leitor achou que 30 minutos por dia de “conteúdo brasileiro” é algo ridículo – considerando que não estamos em Papua-Nova Guiné, mas no Brasil – espere um pouco: o artigo 21º do texto introduz o direito das operadoras serem dispensadas dessas cotas, “em caso de comprovada impossibilidade de cumprimento”(?!). Como é possível que uma operadora de TV por assinatura no Brasil não possa cumprir uma cota de 30 minutos diários com programação de “conteúdo brasileiro”? A única hipótese que nos ocorre é a de que a “impossibilidade de cumprimento” dessas cotas seja porque elas não queiram cumpri-la. No entanto, o Ministério das Comunicações, em sua resposta ao pedido de informação do senador Álvaro Dias, enfatizou a possibilidade de dispensa das cotas, assim como a possibilidade de dispensa do must-carry (os canais obrigatórios para os pacotes da TV por assinatura, entre os quais as TVs abertas e os canais de interesse público). O interessante é que o Ministério das Comunicações diz que essas dispensas são, ou podem ser justas, devido às diferenças tecnológicas entre as várias formas de TV por assinatura... Mas não é tudo, leitor: no artigo 41º, determina-se que essas cotas “deixarão de viger após 12 (doze) anos da promulgação desta Lei”. Como essas cotas só entram em vigor plenamente no terceiro ano de vigência da lei (artigo 23º, incisos I e II), seu prazo real é 10 anos. Depois, nem as cotas. Só a desnacionalização da TV por assinatura – e seu domínio pelas teles. Por que esse prazo? E por que prazo tão curto? Porque essas cotas não são sérias. Não passam de ouro de tolos para fazer passar o que realmente interessa aos seus autores: o monopólio das teles sobre a TV por assinatura. O interesse público e nacional, ou, que seja, “brasileiro”, é o que menos importa.

CONTEÚDO

Olhemos outra vez a questão de que as teles não poderão “produzir conteúdo”. Além do que já apontamos – e que se referia à burla do texto - há outra possibilidade, esta perfeitamente de acordo com o PLC 116. As empresas de radiodifusão, produtoras e programadoras podem ter 50% de uma empresa de TV por assinatura. E as empresas de telecomunicações podem ter 30% das primeiras. O que impede essas empresas de entrelaçaram-se, tal como fazem os monopólios desde os anos finais do século XIX? O que as impede de constituírem uma espécie de trenzinho acionário, onde nunca se sabe quem é dono de quem – ou, melhor, se sabe, mas, devido ao entrelaçamento do capital delas, jamais o que aparece é o que existe realmente? Quanto às “produtoras independentes”, são definidas para permitir que as operadoras sejam suas reais controladoras, ainda que oficialmente com suposta participação “minoritária” (artigo 2º, inciso XIX, item b). É suficiente imaginar o que significará a “participação minoritária” da Telefónica (ou de seu tentáculo, a TVA) numa “produtora independente”. Porém, mesmo que não haja essa “participação minoritária”: a quem a “produtora independente” venderá a sua produção, quando existe um monopólio na distribuição, isto é, na TV por assinatura? Portanto, quem determinará o que a “produtora independente” vai produzir, senão o comprador monopolista?

AUDIOVISUAL

Resta abordar o fascínio de alguns cineastas por um suposto dinheiro que o PLC 116 aportaria à produção audiovisual. Alguns falam em “R$ 600 milhões”, outros em “R$ 300 milhões”, como se fosse a cornucópia do último magnata – que, segundo Scott Fitzgerald, seria um produtor cinematográfico. Sinceramente, leitor, falta-nos paciência com tanta bobice – em meio a essa selva monopolista, as teles, mais a Globo, mais sabe-se lá que outros picaretas, vão deixar R$ 600 milhões dando sopa? Se eles existirem mesmo – o que ainda não está provado – quem serão os beneficiados? Será o artista que se preocupa com o seu ofício e com o seu país? Quantos serão beneficiados? E, antes de tudo, com outro monopólio – também estrangeiro – sobre os cinemas, como serão distribuídas as obras que os cineastas produzirem? Pela TV por assinatura monopolizada pelas teles? Com que critério? O PLC 116, ex-PL 29, penou para ser aprovado, numa correlação de forças que era favorável a ele, tanto no Congresso quanto no governo. A resistência foi muito maior do que os seus autores imaginavam – por isso, ele passou por fora do plenário da Câmara, e queriam fazer o mesmo no Senado, mas fracassaram. Assim, podemos afirmar que uma nova consciência sobre os problemas nacionais surgiu dessa batalha renhida que acabou de ser travada. Aliás, nem essa batalha acabou ainda.

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